Preto no Branco*

Ana Adeve




Esse pequeno texto aborda algumas questões, perguntas e inquietações sobre a minha experiência no processo de colaboração do projeto “As Mulheres Negras tem história e as Jovens Negras estão aqui para contar”.

Primeiro preciso dizer que sou considerada branca e possivelmente eu também me veja desde esse lugar, sinto e entendo o mundo a partir desse referencial. Falar desse lugar dentro de um processo de empoderamento das mulheres negras é também se re-ver, se re-fazer e se re-considerar a cada instante. È tentar entender as relações, os processos e re-formular os conceitos, é se questionar a cada minuto, mesmo que isso seja cansativo, estressante e muitas vezes literalmente tenso.

Sabemos que a nossa sociedade está estruturada a partir das seguintes desigualdades:

- sociais
- de gênero
- raciais

Essas diferenças marcam, delimitam, compõem e nos fazem ser o que somos. Vivemos num país nomeado como uma democracia racial, onde negros e não negros vivem harmoniosamente e não existe racismo. Será? O que nos provoca a pensar que não? O que nos move a dizer que isso não é o que notamos no cotidiano, no dia-a-dia? Há muitas perguntas, muitas inquietações e dentro dessas inquietações me pergunto qual é o papel dos não negros na luta pela igualdade racial. Como devemos nos envolver? Onde guardo o meu racismo? Essa última pergunta sempre me orientou e me provocou durante a minha participação no projeto.

Durante o último ano, o desafio de enfrentar e pensar sobre a questão racial e a cultura Afro perpassou todos os meus pensamentos, invadiu a minha vida, meu corpo e talvez adentrou-se em minha alma. Muitas vezes falamos de um lugar teórico, da construção de relações igualitárias nos campos político e social, no campo das leis, da ordem, na estrutura social. Muitas vezes definimos políticas públicas, definimos planos e ações. No entanto, sim no entanto, como colocamos isso em prática dentro de organizações sociais que lutam pela igualdade e por um mundo mais justo e feliz? Como superar diferenças que demarcam as desigualdades?

A diferença por si só não é desigual, a diferença pelo contrário é o que nos faz ser humano, que nos orienta, nos identifica, nos faz ser no mundo. Porém, as diferenças na nossa sociedade são estabelecidas pelas desigualdades, por oportunidades desiguais, por acesso desigual, pelo racismo, pelo machismo e outras formas correlatas de opressão. A sociedade capitalista se consolida a partir de muitas desigualdades e entendê-las é o primeiro caminho para a busca de outras alternativas e para a consolidação de laços mais humanitários e solidários entre as pessoas.

O que me moveu foi a busca por colocar em pratica, ou seja, praticar tais pensamentos e teorias sobre a questão racial desde o meu lugar de privilégio e de entendimento da minha identidade racial dentro do contexto de empoderamento das jovens negras. Não foi uma tarefa fácil e não será nunca, porém penso que é uma tarefa instigante e estimulante para a mente e para o corpo. Aliás, sozinha nunca poderia ter adentrado nessa reflexão, foram o convívio e as provocações de diferentes amigos e companheiros do Movimento Negro que me fizeram re-pensar a minha branquitude, se é que eu pensava nesse termo antes de ser confrontada.

Na minha pele está marcada a minha identidade racial e não dá para negar que isso nos demarca, nos delimita e nos fortalece também. Negros e não-negros fazem parte da sociedade, penso que não queremos reafirmar uma política discriminatória e isso é um ponto muito importante para trabalhamos com a questão do multiculturalismo e da diversidade no campo das intervenções sociais.

Numa das oficinas do Projeto, alguns jovens participantes me questionaram sobre o conhecimento que eu possuía sobre a questão racial. Muitas vezes me confrontaram: “Não é você que vai falar sobre a questão da mulher negra, é?” (risos). “Você sabe alguma coisa sobre isso?” “O que você tem a ver com isso?”. Era e é uma inversão interessante, como no filme Vista a Minha Pele. No entanto, eu não me senti de forma nenhuma vitimizada por essa questão e sim provocada. Isso me marcou muito e pensei que tenho a ver sim com isso, estamos todos envolvidos nesse caldo, não? Se há discriminação e preconceito racial é porque um povo subjugou outro e sabemos que a questão das diferenças raciais passa pelo lugar que ocupamos na sociedade.

Assim, não dava para eu simplesmente ignorar as perguntas e indagações das e dos jovens e seguir adiante. Eu tinha que considerar o meu lugar de privilégio dentro da sociedade e fazer um movimento interno de reflexão e re-considerações dos lugares que ocupamos. Além disso, as e os participantes do projeto eram negros e não negros e isso nos despertava para a necessidade de dialogarmos de forma aberta e ampla sobre a questão racial.

Essas perguntas ocorreram muitas vezes durante o processo de facilitação das oficinas, nas primeiras vezes eu me senti fora do lugar, talvez por também entender que algumas discussões não faziam parte do meu universo ou do meu lugar de branca. E para demarcar ainda mais esse lugar, eu era a única branca da equipe técnica do projeto. O que significava esse lugar, qual era a importância disso? O que estava ali em jogo? O que era essa inversão de papéis? Como é realmente se ver como o “opressor”? Como a imagem do “opressor” de um povo? E se ver como o diferente, o estranho, o inimigo? Tenho mais perguntas que respostas para tudo isso, tenho muitas perguntas que me motivaram a seguir, a enfrentar, a suar as mãos, a morrer de vergonha, a pedir para sair e nunca mais voltar. Mas, não pedi para sair, tive vontade, tenho que assumir que tive vontade de abandonar o barco, de ficar indecisa em como levar certas questões e brincadeiras. De pensar que talvez eu esteja adentrando num lugar que poucos da minha estirpe foram, que apesar de tudo nós brancos ainda nos escondemos, nos esquivamos do comprometimento com a luta pela igualdade racial.

Não quero fazer aqui uma discurso politicamente correto, existe sim muitas barreiras, não se pode negar que há muitos silêncios e não existe muita documentação sobre o assunto. O que estamos fazendo é algo experimental, estamos fazendo um trabalho de empoderamento das jovens negras e da história das mulheres negras com negros e não negros, reconsiderando os lugares, formulando metodologias e ações que possam trabalhar com a diversidade de forma real e viva.

Eu tive que responder aos jovens, tive que responder que tenho sim muita relação com a questão AFRO, que apesar de branca, ou para lá de ser branca, eu também quero me comprometer com a luta racial, eu também quero rever o lugar de privilégio que ocupo, não quero individualizar as questões e não podemos fazê-las, porém, temos que começar no campo pessoal e individual para gerar transformações. Abdicar de certos lugares é uma forma de se solidarizar com a outra, com o outro. Não estamos falando de uma atitude assistencialista, não é esse o cunho do nosso entendimento, na Associação Frida Kahlo compreendemos que a diversidade é um elemento fundamental para a consolidação de uma sociedade mais justa, queremos trabalhar com mulheres e homens sobre a questão da mulher, queremos trabalhar com negros e não-negros sobre a questão racial.

Posso agora dizer que penso em uma branquitude não racista, não é uma tarefa fácil, não dá para dizer que já temos tudo sistematizado. Estamos num caminho de convívio e confrontação das nossas desigualdades, temos muitas perguntas, muitas questões existenciais perpassam os nossos pensamentos e seguimos porque acreditamos que as diferenças podem nos agregar, nos alimentar e nos fortalecer.

Para encerrar gostaria de deixar registrada aqui algumas indagações que me moveram nessa jornada no ano de 2009:

- “ Qual o papel dos brancos na luta pela igualdade racial?” “Existe esse papel?
- “ Como rever o seu lugar de privilégio?”
- “ O que você branco tem a ver com o racismo?”
- “Onde você guarda o seu racismo?”
- “O convívio é uma forma de combater o racismo?”
- “ Como a diversidade pode combater as desigualdades?”


* Utilizei essa expressão porque acredito que temos que enegrecer nossas vivências e ações sociais.

1 comentários:

Polistyca disse...

Bom, o Brasil piorou muito. Com o vigarismo da religião cujo nome é Petismo. Favoreceu bastante os bancos.

Mas há algo mais. Eis:

Necessitamos muito de bons hospitais. E escolas boas para os curumins.

Precisamos de alta-cultura. Alta literatura; Kafka, Drummond, Dostoievski, Machado de Assis, Aluísio Azevedo do Maranhão. De arte autônoma. E educação verdadeira nas escolas dos pequenos. O que não houve.

O Brasil vive consequência de nosso passado político bem atual (2 décadas).
Fome, falta de moraria, atraso, breguices, escolas ruins, falta de hospitais: concreto…
O resto são frasinhas® poderosas:

Eis aí a pura e profunda realidade sociológica e filosófica:
A “Copa das Copas®” do PT® em vez de se construir hospitais, construiu-se prédios inúteis! A Copa das Copas®, do PT© e de lula©.

Nada se fez em 13 anos para esse mal brasileiro horroroso. Apenas propagandas e propagandas e publicidade. Frasinhas.

Qual o poder constante da propaganda ininterrupta do PT®?
Apenas um frio slogan, o LUGAR DE FALA do Petismo® (tal qual “Danoninho© Vale por Um Bifinho”/Ou: “Skol®: a Cerveja que desce Redondo”/Ainda: “Fiat® Touro: Brutalmente Lindo”). Apenas signos dessubstancializados. Sem corporeidade.

Aqui a superficialidade do PETISMO®:
Signos descorporificados. Sem substância. Não tem nada a ver com um projeto de Nação. Propaganda:
Nem tudo que é legal é honesto. O PT® nos induz ao engodo com facilidade.

O PT é brega, cafona, barango e o Kitsch político. Além de ser truculento e falso. Utilizar de tudo quanto é artimanha publicitária para enganar as pessoas constantemente, eis aí o jeitão petista de ser (não é durante eleição não. É sempre o ano todo!).

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